Helena Roseta
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Sismos em Portugal: “Temos de aproveitar onda da reabilitação para exigir reforço da resistência dos edifícios”
Entrevista ao site www.idealista.pt/news
12-04-2016

Para Helena Roseta não há dúvidas, a prevenção do risco sísmico é “uma matéria muito urgente”, porque um tremor de terra “pode acontecer não daqui a 100 anos, mas a qualquer dia e a qualquer um de nós”. Em entrevista ao idealista/news, a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) e deputada do PS diz que tem de se “pensar a longo prazo” e que o importante é “aproveitar o momento da reabilitação urbana para introduzir a exigência do reforço da resistência sísmica”. A solução pode passar pela criação de fichas de inspeção técnica de edifícios, adianta.

A comunidade científica tem reiterado que Lisboa pode vir a sofrer um novo grande sismo. Partilha desta opinião?
Isso não é uma opinião, é um alerta muitíssimo importante. Introduzimos no documento de estratégia 2020, que foi produzido na CML no mandato do António Costa, uma prioridade muito importante à questão da resiliência sísmica da cidade associada à prioridade que é necessário dar à reabilitação urbana. A experiência feita em edifícios do Ministério da Saúde, com acompanhamento do Instituto Superior Técnico (IST), mostra que a intervenção quando é feita no contexto de reabilitação de todo o edifício representa cerca de 10% dos custos. É importante aproveitar o momento da reabilitação para introduzir a exigência do reforço da resistência sísmica.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não são os edifícios mais antigos que estão em risco maior, esses são de uma fase em que a construção já era em betão armado e placas, mas não obedecia às exigências que a partir dos anos 1980 foram introduzidas nos regulamentos que os edifícios têm de respeitar. Portanto, temos ali uma zona entre os anos 1950 e 1980 em que há bairros que não são muito antigos, mas em que a resistência sísmica não é por ali além.
O que propus na CML, mas ainda não está em vigor, é a possibilidade de montar umas fichas de inspeção técnica de edifícios que fossem feitas pelo menos nos oito em oito anos em que os proprietários devem fazer manutenção ou na altura em que mudam de propriedade e que dessas fichas resultasse uma verificação do estado de conservação e da resistência sísmica.

Como pode ser feita a análise da resistência sísmica?
Pode ser feita a olho nu, temos trabalho desenvolvido no IST, umas fichas simples com técnicos qualificados e que saibam identificar o que significa uma fissura, fratura, abalamento etc. E permite perceber quais são os edifícios que além de pertencerem aos sítios onde há uma sismicidade maior e de serem de uma tipologia mais arriscada ainda podem ter riscos adicionais. É preciso uma análise caso a caso. Essa análise não está prevista na lei, não há instrumentos práticos para a fazer, e é da maior importância.

Devia haver uma espécie de certificado sismológico, tal como há os certificados energéticos?
Deveria. Isso passaria por uma alteração legislativa, mas é preciso testar. Lisboa está disponível para fazer o teste, saber se essas fichas de verificação da resiliência ou da resistência sísmica de um edifício resultam. Muitas vezes, a solução para aumentar a resistência sísmica não é muito complicada, umas vezes é reforçar os pilares, outras construir uma parede.

Como avalia, em geral, o edificado em Portugal?
Temos vários problemas. Temos o edificado no coração das cidades, nas zonas mais antigas, e no interior, nas aldeias, em muito mau estado. Os edifícios têm um tempo de vida. Nos subúrbios é diferente, a construção é mais recente. As condições não são tão degradadas em termos de idade dos edifícios, mas há má qualidade de construção, há muita construção que não obedece às exigências. Os portugueses têm muito a mania do desenrascanço, que é uma grande qualidade, mas também é um defeito, porque em coisas que podem levar a risco dá asneira.
Não podemos impor regras do século XXI em edifícios do século XIX, mas quando um edifício antigo não respeita as regras atuais tem de haver um técnico a assinar o termo de responsabilidade, porque quem lá vai morar não sabe esses pormenores e não pode ficar em risco porque está a viver num edifício mais antigo que não foi devidamente preparado.

É possível perceber que edifícios estão mais em risco e necessitam de ser intervencionados, se obra nova, edifícios públicos, privados etc.?
Acho que a lógica do setor público devia ser: a acautelar, em termos de resiliência sísmica, em primeiro lugar os hospitais, os grandes espaços, as estações, os sítios de circulação e as escolas. Muitos desses espaços ainda não estão preparados. E depois devemos começar a introduzir nas habitações, isso pode ser faseado.

Considera que o poder político tem vindo a ignorar este assunto?
Acho que é sobretudo adiar. O poder político vai atrás das agendas da premência, da urgência. E como ultimamente, felizmente, não houve grandes tremores de terra isto não está na memória, não é urgente. Mas temos de pensar a longo prazo, uma coisa que em Portugal é rara, mas que é fundamental. Consciencializar as pessoas e os consumidores irá fazer pressão para que o poder político resolva o problema.

Este é um momento chave para abordar o tema da resistência sísmica?
É um momento chave para incorporar a questão da resistência sísmica, porque se vai ser dada prioridade à reabilitação urbana é no momento em que se intervém que devemos verificar a resistência sísmica. A obra é muito mais barata se for feita antes de se começar a intervir.
Temos uma ASAE que faz verificações na área alimentar, e bem, e não temos o equivalente para a habitação, que leva o grosso das economias das famílias. Devíamos ter uma capacidade de fiscalização maior e uma exigência dos consumidores que justificasse essa fiscalização.
O mais importante é que haja consciência que isto é uma matéria muito urgente, que isto pode acontecer não daqui a 100 anos, mas a qualquer dia e a qualquer um de nós.

Entrevista conduzida por
@frederico, Dani Castillo
Imagem de Bruno Martins